segunda-feira, 11 de julho de 2011

Rendamos Graças

Queridos amigos,

Segue um texto emocionante, escrito por Marcus Castro, sobre uma visita fraterna realizada por jovens da Mocidade. O texto foi retirado de: http://www.poesiasmarcuscastro.blogspot.com/

Forte abraço!

Hoje acordei as 06h30min da manha, um dia frio na capital mineira. O despertador tocou e me virei para o lado na tentativa de dormir mais alguns minutos enrolado no meu cobertor quentinho. A vontade não venceu o dever. Caso não levantasse naquele momento me atrasaria para o compromisso de logo mais. Peguei a calça jogada na cadeira, a blusa no armário, calcei meu tênis da adidas e preparei um copo de leite quente com achocolatado. Após a higiene pessoal coloquei-me em direção ao ponto de ônibus; era domingo e não poderia perder o transporte. Sentei-me no ponto em frente à Praça da Liberdade e fiquei a ver as pessoas caminhando, outros com os filhos, outros com os cachorros; em meio as arvores, flores e uma estrutura cultural para o dia. O que será que cada uma delas está pensando? Quais as alegrias, as dores e as dificuldades de cada uma? Cada uma na sua luta íntima e externa, na busca constante pela felicidade. E o que traria essa felicidade para cada um? Dinheiro, carro, um parente que já se foi ou aquele que ainda vive, mas está mais morto que o outro? Um novo amor; ou o velho mesmo que o tempo insistiu em levar embora consigo? Afinal é dia dos namorados.
Não tive tempo de elaborar uma resposta, o ônibus se aproximou e as perguntas sumiram de repente. O trajeto não durou muito, cerca de uns 20 minutos em que me entreguei a um leve cochilo. Destino: Centro Espírita Oriente. Cheguei cedo, o local ainda fechado. Somente uma senhora com uma saia colorida batendo nos calcanhares e com as duas bochechas rosadas aguardava sentada ao chão. Com um leve aceno pediu que me aproximasse e iniciou um diálogo descontraído que me fez sentir bem confortável. As pessoas foram chegando e em meia hora estavamos todos no local; eu e mais quatro amigos por volta dos seus 20 anos de idade; três garotas e um garoto. Reunimo-nos numa sala, fizemos uma oração e abrimos, aleatoriamente, o livro Pão Nosso de Emmanuel/Chico Xavier. A leitura foi a de número 100, "Rendamos Graça'': “Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco.” – Paulo. (1ª Epístola aos Tessalonicenses, 5:18.) Demos início a alguns comentários seguidos de uma breve orientação, de uma das companheiras, sobre como se portar no local a que nos dirigiríamos e de uma prece. Destino: O lar de uma família cadastrada na casa que morava no Amontoado da Serra, uma das favelas de Belo Horizonte.

Chegamos rápido na entrada do local, as ruas foram afinalando e subíamos cada vez mais e mais. Terceira, segunda, primeira marcha para que conseguíssemos acabar de subir. O trajeto me relembrava os filmes que tinha visto no cinema, uma realidade totalmente desconhecida por mim. Paramos o carro. O restante do caminho seguiríamos a pé. No alto, garotos em cima das lajes soltando papagaios, ao lado uma igreja evangélica louvando o senhor e alguns moradores na porta de suas casas com os olhares curiosos. Saí do carro receoso, um sentimento de medo insistia em me dominar, mas ao mesmo tempo uma vontade imensa de prosseguir falava mais alto. Andamos um pouco, pedimos informação e seguimos em frente. Adentramos em um beco com grande dificuldade de locomoção; algumas tábuas soltas serviam de escada. Dois meninos por volta dos seus cinco anos brincavam na porta de uma casa. Oi tudo bom? Vocês sabem onde mora a senhora............? Perguntou uma das companheiras. Ummm...,olhou a criança com um olhar pensativo;você viu onde foi parar meu papagaio? Respondeu logo em seguida apontando para uma árvore seca a frente. Abrimos um sorriso seguido de palavras solidárias a perda da pipa. Eu sei. Minha mãe mora aqui; disse o menorzinho entre os dois. Não conseguimos disfarçar a surpresa expressa no rosto de cada um. Apresentamo-nos e fomos convidados a entrar.

A casa tinha dois cômodos apenas. As paredes meio rebocadas e o chão de cimento e terra batida. Fomos acomodados na cama que serviu de sofá improvisado. Iniciamos um diálogo em que pedimos a senhora para contar um pouco da sua história. Nada poderia ser mais comovente naquele momento. As dificuldades eram enumeradas ininterruptamente sem nenhum tom de reclamação. Um dos filhos preso, desempregada e o local davam um tom melancólico à conversa. Não interrompemos. O filho adolescente acabara de sair da cadeia após ser detido por quinze dias por furto. Dizia ele nunca mais voltar a roubar, não trocaria a liberdade dele por nada. O amigo que morava ao lado o acordava de manhã: ou, ou, levanta, vamos roubar. De uma forma tão natural como se fosse um convite para ir ao clube. Culpado? Não cabe aqui fazer nenhum julgamento. O contexto de vida me levava a pensar se eu não agiria da mesma forma caso tivesse a mesma realidade. Preferi pensar que ele realmente não voltaria mais a roubar.

Pedimos que a senhora abrisse o livro Pão Nosso, fizemos a leitura seguida de um comentário breve dela mesma. Meus amigos falavam palavras de consolo e orientação enquanto o caçula de quatro anos entrou na casa com uma folha de papel e uma linha de pipa. Foi até a mãe que pediu que ele deixasse para depois. Sem opção foi até mim e estendeu a mão com a folha e a linha. Lembrei da minha infância e do meu avô que me ensinou a fazer aquela pipa improvisada com folha de papel. Dobrei aqui, dobrei ali, amarrei a linha e a criança saiu feliz. A conversa seguiu tranqüila. Fizemos uma oração, a visita chegava ao fim. Pedimos para conhecer o entorno da casa e fomos surpreendidos ao ver que não existia banheiro. O que existia estava quebrado, o cano da rede de esgoto entupido com concreto. Isso perdurava a um bom tempo. As necessidades eram feitas em baldes e jogadas no cano da rede principal. O choque foi grande e as mãos estavam atadas, não poderíamos prometer nada. A mobilização ficaria para depois.

No caminho de volta o silencio parecia gritar toda conversa na minha cabeça. Ninguém ousou falar nada. Mas os pensamentos não pediam licença. A imagem das pessoas caminhando na praça em meio às flores e arvores frondosas se confrontava com a casa, com o beco e com o balde que servia de vaso sanitário. Um paradoxo social. Cheguei a casa agasalhado, almocei e fui até a sacada do meu apartamento. A vista perdia-se em prédios e mais prédios. Lembrei-me da leitura com meus amigos o pela manha: Rendamos Graça. Foi o que fiz. Agradeci por tudo até as lágrimas.

Será que essa visita fez algum bem para aquela família? Não saberei responder essa pergunta, mas uma coisa eu posso dizer com toda certeza do mundo: Para mim fez um bem enorme.


Marcus Castro

Um comentário:

  1. Lindo texto, Marcus! Parabéns! Com certeza essas tarefas, quando feitas com o coração, sempre nos fazem um bem enorme, não é mesmo? Que Deus nos dê sempre a oportunidade de realizá-las, com todo nosso amor, e levar um pouco do que temos de melhor a quem muito precisa!

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